A Outra Guerra, 2010 | 420doc#20

A Outra Guerra, 2010
"Durante a guerra colonial jovens portugueses tinham de escolher entre as forças armadas ou a frota nacional de pesca do bacalhau. Ao longo de uma viagem no “Creoula” - o último lugre português da pesca do bacalhau - três antigos pescadores, sendo que um deles é natural de Aver-o-Mar, relembram as difíceis condições de trabalho da sua juventude, as razões das suas escolhas de vida e os constrangimentos nos seus destinos." 

«Partir para a guerra ou partir para a pesca do bacalhau? Já quase ninguém recorda que os jovens portugueses tinham nesta alternativa uma possibilidade de escapar aos perigos de um conflito militar em três frentes.

Os pescadores bacalhoeiros estavam sujeitos a condições especiais, particularmente duras, a uma disciplina muito semelhante à militar. Quando iniciámos este projecto, fascinava-nos, em particular, o dilema imposto pelo regime de os homens terem que escolher entre a guerra colonial e a pesca do bacalhau.

Iniciámos o trabalho de pesquisa convencidos de que muitos jovens do interior teriam escolhido partir para a pesca do bacalhau, por ela ter a vantagem sobre a guerra colonial de ser um trabalho remunerado e de gozar da auréola romântica e heróica construída pelo regime. À medida que nos envolvíamos na pesquisa de documentos e de testemunhos, fomos descobrindo que a pesca não tinha esse poder de atracção senão para aqueles que já estavam familiarizados com o mar. Terá sido porque o recrutamento se fazia apenas nos centros piscatórios? Terá sido porque aqueles que iam para a guerra colonial já sabiam que o que os esperava nos bancos do Norte era algo parecido com uma guerra? A nossa ideia de partida começava a ser abalada, o que fazia crescer ainda mais a motivação para fazer deste filme uma oportunidade de investigação «ao vivo». Pelos relatos que tínhamos ouvido sobre a pesca nos bancos da Terra Nova, parecia-nos tratar-se efectivamente da escolha entre duas guerras.

«Sem a guerra, não teria havido pesca do bacalhau», diz-nos um dos antigos pescadores do filme. Com efeito, nos anos 50, a PIDE andava pelas praias, a recrutar à força pescadores para os bancos da Terra Nova. Mas, quando rebenta a guerra colonial, e perante a escolha que lhes é imposta pelo regime, são os próprios pescadores que passam a procurar ser contratados nos bacalhoeiros para «fugir à guerra».

Neste documentário, tomamos como marcos o início dos anos 60 e o final dos anos 70. É um período de mudanças importantes na política portuguesa da pesca do bacalhau, que coincide com o início e o fim da guerra colonial em África e com um dos grandes fluxos de emigração também relacionado com a guerra e as suas consequências económicas e políticas: por um lado, a pauperização de largas camadas da população; por outro, uma deserção numerosa. Esse período irá prolongar-se até meados dos anos 70 com a queda do regime, em Abril de 1974, e o desmantelamento da frota bacalhoeira.

Damos, no nosso trabalho, um especial valor aos contributos orais dos protagonistas, com toda a carga de subjectividade que eles trazem consigo. A história não se faz apenas a partir dos arquivos. É indispensável que no reviver desta parte da história portuguesa participem os actores directos que trabalharam a bordo dos navios bacalhoeiros e que felizmente ainda se encontram entre nós, hoje, para nos poderem transmitir as suas memórias.»


Uma boa surpresa a apresentação deste novo documentário “bacalhoeiro” na Póvoa. É mais uma dessas pérolas do passado marítimo português que andam guardadas por aí fora. Será muito interessante ver uma campanha do "Creoula" ainda durante a Guerra Colonial, provavelmente a preto e branco, a considerar pelas imagens. Vindo em época natalícia, permitirá mais uma vez mostrar aos interessados que o bacalhau desde há séculos foi muito mais que um pedaço de peixe no prato.

Elsa Sertório Nasceu em Lisboa em 1956. É licenciada em Sociologia pela Universidade de Paris VIII, Paris. Autora e realizadora do documentário A outra Guerra, produção Kintop. Tem trabalhado como produtora na Kintop e anteriormente em teatro e dança contemporânea. Foi produtora executiva dos documentários Natureza Morta-Visages d'une Dictature e 48. É autora dos seguintes livros: Mulheres Imigrantes, com Filipa Sousa Pereira, editora Ela Por Ela, 2004; Livro Negro do Racismo em Portugal, Edições Dinossauro, 2001.

Ansgar Schäfer Nasceu em 1959. Licenciou-se em Literatura e Língua alemã e Ciências Políticas. Trabalha como historiador e professor universitário. Co-autor, co-realizador e produtor do documentário Ein Haus der Begegnung. 40 Jahre Goethe-Institut Lissabon. Autor de dois projectos multimédia sobre a história portuguesa. Produtor dos documentários Natureza Morta/Visages d’une Dictature (2005), 48 (2009) e de Luz Obscura, As Lágrimas de Georgette e A Outra Guerra. Publicou vários artigos sobre as relações luso-alemães durante a 2.ª Guerra Mundial em revistas nacionais e internacionais. Actualmente prepara a sua tese de doutoramento sobre documentário histórico e a publicação de um livro sobre os Refugiados Alemães em Portugal.»

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